Ao empossar-se no cargo de presidente do STF, Joaquim Barbosa criticou os critérios de ascensão funcional dos juízes. “Nada justifica, a meu sentir, a pouco edificante busca de apoio para uma singela promoção de juiz de primeiro ou segundo grau”, discursou o relator do mensalão.
Barbosa acrescentou: “O juiz, bem como os membros de outras carreiras importantes do Estado, deve saber de antemão quais são suas reais perspectivas de progressão. E não buscar obtê-las por meio da aproximação ao poder político dominante no momento.”
Para o novo presidente do Supremo, é preciso alterar o modelo, de modo afastar o juiz, “desde o ingresso na carreira, das múltiplas e nocivas influências que podem, paulatinamente, minar-lhe a independência”. Barbosa talvez não tenha se dado conta. Mas, aplicadas ao caso do colega Luiz Fux, suas palavras ganharam a forma de uma carapuça feita sob medida.
Em notícia veiculada neste domingo (2), a repórter Mônica Bergamo conta que, em campanha para obter a promoção que o levou do STJ para o STF, Fux achegou-se a políticos com influência junto ao “poder político dominante.” Entre eles o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu. Um personagem que ele teria que julgar no processo do mensalão.
Fux sonhava com a cadeira do STF desde 1983, quando passou no concurso que o fez juiz em Niterói (RJ). Foi à “luta” em 2004. Sempre que abria uma vaga no Supremo, apresentava-se como candidato. “Bati na trave três vezes”, ele diz. Em 2010, último ano de Lula no Planalto, Fux decidiu empreender uma campanha para convencer o então presidente de que merecia ser alçado ao Supremo.
É o próprio Fux que admite que grudou em Delfim Nett (conselheiro informal de Lula para temas econômicos), pediu carta de apoio ao líder do MST João Pedro Stedile, rogou pelo suporte do grão-petista Antônio Palocci e solicitou ao governador do Rio, Sérgio Cabral, que intercedesse em seu favor. Reuniu-se também com empresários.
“Eu fui a várias pessoas de São Paulo, à Fiesp”, relatou Fux. “Numa dessas idas, alguém me levou ao Zé Dirceu porque ele era influente no governo Lula.” Quem levou? O ministro diz que não se recorda. Ele diz que entregou um currículo ao réu-mor do processo que teria que julgar.
Nessa época, Dirceu frequentava as manchetes como ‘mensaleiro’ dia sim, outro também. Mas a ficha de Fux não caiu. “Eu confesso a você que naquele momento eu não me lembrei, porque a pessoa, até ser julgada, ela é inocente.” Na conta de Fux, houve uma única reunião com Dirceu. Coisa de 15 minutos. Na conta do réu, houve mais de uma conversa.
Procurada, a equipe do agora condenado anotou num e-mail: “A assessoria de José Dirceu confirma que o ex-ministro participou de encontros com Luiz Fux, sempre a pedido do então ministro do STJ.”
Ao relatar a conversa com Dirceu, Fux disse: “Eu levei o meu currículo e pedi que ele levasse ao Lula. Só isso.” A repórter quis saber se o réu falou de mensalão. E o ministro: “Ele falou da vida dele, que tava se sentindo… em outros processos a que respondia…” Mônica Bergamo perscrutou: perseguido? Fux emendou: “É, um perseguido e tal. E eu disse: ‘Não, se isso o que você está dizendo [que é inocente] tem procedência, você vai um dia se erguer’. Uma palavra, assim, de conforto, que você fala para uma pessoa que está se lamentando.”
O vaivém de Fux ateou em Dirceu e seus companheiros de infortúnio a esperança de que, guindado ao STF, Fux votaria pela absolvição. O ministro diz que não ofereceu nenhuma garantia que autorizasse essa expectativa.
Lula deixou a Presidência sem formalizar a pretendida indicação. Transferiu a incumbência à sucessora. Depois da posse de Dilma Rousseff, Fux foi ao ministro petista José Eduardo Cardozo (Justiça). A exemplo do que fizera com Dirceu, entregou-lhe o currículo.
Cardozo perguntou sobre o mensalão? “Não. Ele perguntou como era o meu perfil”, relata Fux. “Havia causas importantes no Supremo para desempatar: a Ficha Limpa, [a extradição de Cesare] Battisti. Aí eu disse: ‘Bom, eu sou juiz de carreira, eu mato no peito’. Em casos difíceis, juiz de carreira mata no peito porque tem experiência.”
Mexe daqui, conversa dali o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), outro réu graúdo do processo do mensalão, pôs-se a articular o apoio da bancada do PT a Fux. Chegou mesmo a promover uma reunião com o futuro ministro do STF em sua casa.
Um dos participantes do encontro, o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), declarou à repórter: “Eu confirmo. João Paulo me ligou dizendo que era um café da manhã muito importante e queria que eu fosse. Eu não te procurei para contar. Mas você tem a informação, não vou te tirar da notícia.”
Falou-se de mensalão? “Não vou confirmar nem vou negar as informações que você tem”, esquivou-se Vaccarezza. “Mas eu participei de uma reunião que me parecia fechada. Tinha um empresário, tinha o João Paulo. Sobre os assuntos discutidos, eu preferia não falar.” Fux também confirma a reunião. Informa, porém, que a conversa ocorreu quando o nome dele já havia sido escolhido por Dilma.
A notícia sobre a decisão da presidente chegou a Fux pelo telefone. O ministro da Justiça pediu que fosse ao gabinete dele. Fux rememora: “Aí eu, com aquela ansiedade, falei: ‘Bendita ligação!’.” Na sala de espera de Cardozo, Fux rezou por meia hora. “Quando ele abriu a porta, falou: ‘Você não vai me dar um abraço? Você é o próximo ministro do Supremo Tribunal Federal’. Foi aí que eu chorei. Extravasei.”
No julgamento do mensalão, Fux foi implacável com os réus. Acompanhou o relator Joaquim Barbosa em 99,9% dos seus votos. O comportamento deixou mensaleiros e advogados embatucados. Os condenados passaram a nutrir por ele uma raiva que contagiou Dilma. O veneno foi borrifado em notas de jornal.
Na festa que se seguiu à posse de Barbosa, aquela em que Fux tocou guitarra e entoou Tim Maia, o ministro abordou o ex-deputado petista Sigmaringa Seixas. Em timbre de cobrança, queixou-se a Sigmaringa, amigo de Lula, de Dirceu e Cia., do fato de estarem “espalhando” a versão segundo a qual comprometera-se em absolver a turma do mensalão.
Presente à festa, a repórter Mônica Bergamo presenciou a cena. Puxando-a para um canto, Fux disse: “Querem me sacanear. O pau vai cantar!”. Instado a comentar o caso em termos formais, o ministro absteve-se de responder. Dias depois, procurou a repórter e se dispôs a falar.
Considerando-se tudo o que disse Fux, as palavras injetadas por Joaquim Barbosa em seu discurso de posse ganham especial relevo. Se é verdade que “nada justifica a pouco edificante busca de apoio para uma singela promoção de juiz de primeiro ou segundo grau”, também é certo que o procedimento torna-se ainda mais aviltante quando envolve a promoção de um magistrado à Suprema Corte.
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